[...] A minha amada desconhecida chegaria a qualquer momento. Amávamo-nos por carta desde a Primavera anterior. Excepcional Leocadia!
[...] Deteve-se um táxi à entrada do café. [...]
Leocadia entrou no café e chegou ao pé de mim [...].
Pediu não me lembro o quê e falou-me dos nossos amores epistolares, de quão feliz pensava ser, como me amava já...
- Também eu te amo com toda minha alma - disse-lhe.
- Que dizes? - perguntou.
- Que também te amo com toda a alma.
- Quê?
Vi a horrível verdade. Leocadia era surda.
- Quê? - insistia.
- Que também eu te amo com toda a alma! - repeti, gritando. E arrependi-me de seguida, porque se viraram dez fregueses para me olharem, evidentemente incomodados.
- A sério que me amas? Jura-mo.
- Juro!
- Quê?
- Juro! - vociferei.
Olharam-me com ódio vinte fregueses.
[...]
- Nas tuas cartas dizias que os meus olhos eram muito melancólicos. Ainda achas?
- Sim! - gritei, como se estivesse a dar uma conferência na Praça de Touros. - Os teus olhos são muito melancólicos!
[...] Todo o café nos olhava. Todas as conversas se calavam, só me ouviam a mim. Nas montras começaram a ver-se transeuntes curiosos que contemplavam a cena.
[...] Não sei quanto tempo continuei, afrontando os rigores da opinião alheia. Sei que, por fim, aproximou-se um guarda.
- Faça o favor de não escandalizar - disse-me. - Peço-lhe que o senhor e a menina abandonem o local.
Voltei-me para Leocadia: - Põe-nos fora por escândalo.
- Por escândalo! - disse estupefacta. - Então mas estamos num cantinho do café a contarmos em voz baixa os nossos segredos...
[...] Passado um mês, todo Madrid nos conhecia. O mesmo aconteceu em Bordéus, em Paris, em Marselha e em Londres. Há quinze dias que estamos em Buenos Aires e já planeamos a mudança para o México.
adaptado de "Um amor oculto", de Enrique Jardiel Poncela
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